A depressão, conhecida clinicamente como Transtorno Depressivo Maior, é o transtorno do humor mais conhecido popularmente, tendo como sintomas essenciais para o diagnóstico o humor deprimido e/ou perda de prazer/interesse. A causa da depressão é um tema em aberto, mas há algumas décadas que os estudos concluem que a depressão não é causada simplesmente por uma desregulação dos neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina. Na verdade, o que os estudos apontam é a relação multifatorial entre aspectos psicológicos, sociais, genéticos (e epigenéticos) e biológicos que contribuem para a manifestação do transtorno. Considerando essa complexidade nos transtornos mentais, algumas questões são constantemente levantadas a respeito do significado e das dificuldades de se diagnosticar um transtorno. Por isso, definir “o que é depressão” passa a ser uma tarefa complexa e com diversas nuances.
Outros fatores que também exigem atenção para o diagnóstico da depressão são a presença de “subtipos” (especificadores) de depressão bem como a manifestação de sintomas de outras condições que se assemelham aos sintomas do Transtorno Depressivo Maior, sendo necessário realizar um diagnóstico diferencial.
Depressões: depressão não é tudo igual! #
Bruno foi diagnosticado com depressão, e Joana, que já teve depressão, fala para Bruno: “eu sei exatamente como é ter depressão, e não era tudo isso que você está falando. Você está exagerando!”
Apesar de depressão ser o nome de um diagnóstico, depressão não é tudo igual – e isso representa uma dificuldade para o diagnóstico e, ainda, que os tratamentos não serão todos iguais, exigindo um tratamento especializado para cada caso. Essa diferença de depressões se dão de duas formas:
Sintomas – O diagnóstico de depressão se dá a partir de um critério específico e quadro sintomático (conjunto de sintomas), possuindo, ao todo, 9 sintomas (ou 10, de acordo com o CID). Para o diagnóstico, é preciso ter 5 sintomas ou mais, logo, uma pessoa pode apresentar sintomas diferentes de uma outra pessoa diagnosticada com depressão. Ainda, um sujeito pode apresentar um maior número de sintomas ou, ainda, maior intensidade sintomática do que uma outra.
Vivências – Mesmo que duas pessoas apresentem os mesmos sintomas e com a mesma intensidade, o conteúdo é completamente diferente. Pessoas diferentes tem vidas diferentes, famílias diferentes, trabalhos diferentes, contextos diferentes e, por isso, experienciam dificuldades e sintomas de uma forma diferente. Uma pessoa que sente culpa, não sentira a mesma culpa de uma outra pessoa, pois sua história de vida exigiu escolhas especificas, suas questões são outras – sua culpa é outra. É por isso que o tratamento não é para depressão, mas para a pessoa deprimida, pois o tratamento deve ser baseado nas vivências que cada pessoa carrega.
Humor: Depressão x Tristeza #
Por se tratar de um transtorno do humor, a depressão é diferente do sentimento de tristeza ou daqueles dias amenos e melancólicos – e é por isso que é tão importante diferenciar a palavra “depressão” como sendo um sentimento de tristeza, de “depressão” enquanto diagnóstico clínico. Uma analogia bem útil é a do humor com o clima: o humor é como se fosse o clima de uma região, e o sentimento é como se fosse o tempo. Mesmo que em um clima semiárido possa ocorrer variações no tempo (ventos, chuvas e sol), o clima continua o mesmo. Ainda, chuvas e ventanias no nordeste são sentidas de formas diferentes das chuvas e ventanias no sul. Isso quer dizer que o humor é como se fosse um pano de fundo: uma pessoa com o humor deprimido pode ter diferentes sentimentos (alegria, tristeza, raiva etc.), mas todos terão um aspecto deprimido – como uma chuva no frio.
Percepção e depressão
O modo como percebemos as nossas vivencias é determinante para o conteúdo dos nossos pensamentos, sentimentos e ações. Uma mesma situação pode ser percebida e compreendida de formas muito diferentes, resultando em atitudes e sentimentos completamente distintos. O proprio efeito placebo é um dos melhores exemplos disso: o simples fato de um indivíduo acreditar que está sendo tratado faz com que ele se sinta muito melhor, muitas vezes curado, mesmo que, na verdade, nenhum medicamento real está sendo administrado – é apenas uma pílula sem efeito (inócuo). O simples “perceber e acreditar” faz com que os sintomas desapareçam – este efeito é tão recorrente que qualquer estudo que busca avaliar a eficácia de um medicamento ou intervenção (até mesmo cirúrgica!) precisa realizar um “teste” para saber quanto de efeito placebo há nos resultados.
Isso deixa evidente que o modo como uma pessoa percebe a si mesma, o mundo, os acontecimentos e seu proprio futuro influenciará em como ela se sente e o que ela pensa. Ainda, aquilo que a pessoa sente e pensa influência como ela enxerga as coisas: nós buscamos evidências que reforçam aquilo que a gente acredita. Quando se está feliz, o mundo aparece colorido; quando se está triste, parece que o mundo perde a cor. Quando acreditamos que algo é verdade, buscamos provar que aquilo que acreditamos é real. Em outras palavras:
Se eu me sinto mal, o mundo aparece com pouca cor. O mundo com pouca cor, faz eu me sentir ainda pior. Eu me sentindo muito mal, o mundo aparece ainda mais desbotado.
Se eu me sinto incapaz, eu percebo e busco meus erros e fraquezas. Perceber meus erros e fraquezas faz eu me sentir ainda mais incapaz. Me sentindo inútil, eu busco ainda mais evidência de como eu não presto.
Interação entre os principais sintomas
A depressão é marcada não apenas pelo humor deprimido ou a perda de prazer, mas também pelo pessimismo, desesperança e desamparo/incapacidade. De acordo com estudos e modelos, esses são os sintomas mais presentes na depressão, importantes não só para o diagnóstico, mas também para o tratamento do transtorno, já que os sintomas interagem entre si e agravam o quadro sintomático. Considerando que ao menos 75% dos episódios de depressão fazem referência a um evento estressante, a relação entre o modo de ser do sujeito (seu modo de perceber, pensar, sentir e agir) e os eventos que vivencia são grandes determinantes para o surgimento, prevenção e tratamento da depressão. Para ilustrar:
Pense que você está andando na praia, quando dá um passo e se vê em um evento estressante: está no meio de uma areia movediça. Você começa a se preocupar, sua pressão sobe, coração começa a palpitar, fica em alerta – surge a ansiedade. Você começa a fazer movimentos bruscos para tentar sair dali, mas se vê cada vez mais preso, se afundando cada vez mais. Quanto mais o tempo passa, mais se frustra: suas tentativas de sair parecem não surtir efeito, cada movimento que faz parece piorar tudo! Você passa a entrar em pânico e, então, a se sentir completamente desamparado e incapaz de sair daquela situação. Agora parece não ter mais jeito, a areia já tomou mais da metade do seu corpo, já inundou sua vida, não há mais saída daquela situação. Se movimentar é extremamente dificil e parece gastar muito mais energia do que antes. Você passa a concluir que ter esperança é inútil, o fim é inevitável e não há nada mais que possa ser feito! Com isso, você já prevê mais sofrimento a frente sem possibilidade de mudança, a situação sempre será assim porque você já tentou de tudo e nunca nada funcionou. Você passa a se desapegar das coisas, de tentar, de buscar – não faz mais sentido querer nada. Sente culpa por estar naquele lugar, se afundando cada vez mais, por não ter feito algo diferente quando a situação não estava tão ruim – agora o tempo passou e não há mais volta, você desperdiçou seu precioso tempo, não há mais chance ou possibilidade de mudar o que aconteceu e o que acontecerá; o que você gostaria de viver não será mais possivel. Pensamentos começaram a aparecer: “se o fim é inevitável e apenas sofrimento é o que me resta, talvez seja melhor arranjar um jeito de acabar com a dor já agora. Para que esperar até lá?”.
No exemplo acima, a “areia movediça” foi utilizada como uma metáfora para eventos estressantes que ocorrem durante a vida, podendo ser substituída por frustrações amorosas, questões profissionais, desastres naturais, traumas de infância e da vida adulta, assédio moral e sexual em diferentes contextos etc. Esses pensamentos e sentimentos frequentemente aparecem em quem vivencia a depressão e começam a se intensificar à medida que eles interagem entre si.
Tratamento
O tratamento padrão da depressão – ou, melhor dizendo, da pessoa deprimida – pode ser resumido em tratamento farmacológico e psicológico.
O tratamento farmacológico – realizado por um médico, de preferência o psiquiatra – diz respeito a medicamentos que promovem maior qualidade de vida para o sujeito deprimido ao diminuir (parcialmente ou por completo) os sintomas da depressão. É por isso que o uso de antidepressivos, principalmente nos casos moderados e severos, é tão importante para o tratamento, pois eles irão facilitar a vivência dos sintomas da depressão, permitindo com que o transtorno seja mais suportável e o tratamento psicológico tenha maior adesão – considerando que, em muitos casos, o paciente deprimido não tem “força” para comparecer aos atendimentos ou realizar atividades que auxiliarão no tratamento do transtorno. É importante salientar que os antidepressivos não são pílulas milagrosas, sendo comum a troca de antidepressivos para atingir os efeitos desejados – isto é, nem sempre os antidepressivos irão funcionar na primeira tentativa, e, ainda, pode ser necessário a troca de antidepressivos por conta de efeitos colaterais.
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Já o tratamento psicológico segue uma outra via, a psicoterapia – realizada por um psicólogo. O tratamento psicoterápico é importante porque ele lida com questões que não podem ser resolvidas de outra forma: traumas, modos de enxergar situações, estilo de vida, autoestima, dependência emocional – nada disso pode ser efetivamente tratado com medicamentos ou outras drogas. Considerando que a maior parte das causas de depressão vem de eventos estressantes e, ainda, contam com a presença de pensamentos e sentimentos (como pessimismo, desesperança, incapacidade e culpa), a psicoterapia é uma ferramenta fundamental para o tratamento da depressão.
A psicoterapia conta com algumas nuances, sendo a mais notória a diferença entre abordagens psicológicas, como a Psicanálise, Existencialismo, Terapia Cognitivo Comportamental, Terapia de Aceitação e Compromisso, entre outras. Porém, o ponto mais importante é que o paciente se identifique com o profissional e seu modo de conduzir os atendimentos – fatores determinantes para a eficácia e adesão ao tratamento. O que todas as abordagens terão em comum é a psicoterapia, ou seja, o tratamento a partir da compreensão de experiências e os modos de ser do indivíduo. Em outras palavras, o papel do psicólogo é compreender a perspectiva da pessoa atendida e promover o tratamento de diferentes condições, podendo ser estratégias de enfrentamento, compreensão de vivências, lida com traumas, desenvolvimento de novos olhares e percepções sobre vivências. É muito comum que os profissionais foquem e se dediquem a condições específicas e, por isso, pode ser de grande valor a busca por profissionais que realizam tratamentos especializados para transtornos específicos.
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Probabilidade e Duração
O Transtorno Depressivo Maior é um dos transtornos mais prevalentes no mundo, presente em 8% da população mundial e 10% da população brasileira. A chance de uma pessoa ter depressão em algum momento da vida é de 8-17%, e se houver algum parente de primeiro grau que também apresenta o transtorno, a chance passa a ser de duas a quatro vezes maior. Uma vez que a pessoa desenvolveu e tratou da depressão, a probabilidade da depressão voltar (recorrência) é de 50%. Ao ter um segundo episódio, a chance de ter um terceiro é de 70%. Caso ela tenha um terceiro, a chance de ter um quarto é 90%. Porém, é extremamente importante ressaltar que esses números são médias, podendo variar consideravelmente dependendo dos cuidados que uma pessoa tem com sua própria saúde física e mental.
A duração de um episódio de depressão normalmente dura alguns meses, sendo frequentemente tratado em até 3 meses, mas não sendo raro durar 6-9 meses. A diferença individual entre sujeitos torna a previsão da probabilidade e duração da depressão bastante incerta e ampla. Há diferentes perfis de depressão que se manifestam de acordo com fatores psicológicos associados ao contexto social, ainda considerando predisposições genéticas e alterações biológicas. Há depressões que perduram por um longo tempo, como o Transtorno Depressivo Persistente, durando ao menos 2 anos. Além disso, a depressão conta com diferentes intensidades, podendo variar entre leve, moderado e severa – o que também modificará a estratégia de tratamento. A remissão da depressão se dá no período de dois meses ou mais sem sintomas ou apenas 1 ou 2 sintomas não mais do que em um grau leve.
A severidade da depressão é um tema mais delicado. Alguns autores apontam o número de sintomas como determinante de severidade. Outras escalas (como HAM-D ou PHQ-9) realizam uma pontuação baseado na intensidade do sintoma para, então, determinar a severidade da depressão. Normalmente a severidade tem íntima associação com o prejuízo no funcionamento social, profissional e em outras áreas da vida do indivíduo – ou seja, quanto maior o prejuízo, maior a severidade. Os subtipos Psicose e Catatonia indicam depressão grave, e Melancolia indica depressão moderada ou grave. Ideação suicida ou tentativas de suicídio também indicam gravidade no transtorno.
Ainda, é extremamente importante considerar duas categorias que tem grande influência na probabilidade do desenvolvimento da depressão, na severidade e em sua duração:
Fatores de risco – Aspectos presentes na vida do sujeito que alteraram as chances do desenvolvimento e manifestação da depressão;
Comorbidades – A presença de outras patologias que aumentam a duração, gravidade e a chance do indivíduo desenvolver depressão, bem como alteram a eficácia do tratamento.