O que causa (etiologia) depressão é um tópico que está sendo estudado e ainda não tem uma resposta bem definida. Há muito tempo, em meados da década de 60, levantou-se a “hipótese das monoaminas”, a suspeita que a baixa concentração de alguns neurotransmissores (Serotonina, Dopamina e Noradrenalina) era responsável por causar depressão. Com isso, em 1974, a companhia farmacêutica Eli Lilly sintetizou o antidepressivo Fluoxetina, e em 1987 sua comercialização passou a ser oficializada nos Estados Unidos. Assim, uma forte propagação da relação entre uma desregulação neuroquímica (neurotransmissores, principalmente a Serotonina) e depressão começou a circular através de propagandas e anúncios. É por isso que, hoje em dia, a crença de que a depressão é resultado da baixa concentração de serotonina ainda é tão presente entre a população. Porém, há pelo menos duas décadas que os estudos vêm apontando que não há evidências que sustentam que a baixa concentração de serotonina resulte na depressão. Na verdade, o que se tem hoje é que a depressão tem causas multifatoriais, ou seja, a relação entre diferentes áreas contribui para a manifestação de uma depressão clínica, com aspectos genéticos (e epigenéticos), psicológicos, ambientais e biológicos. Isso quer dizer que é bastante complicado e complexo determinar especificamente o que causa depressão.
Toda essa complexidade acaba fomentando diversos estudos que buscam investigar quais podem ser as possíveis causas para a manifestação do Transtorno Depressivo Maior. A seguir temos algumas hipóteses atuais que descrevem mecanismos que contribuem para a manifestação da depressão:
Teoria Cognitiva da Depressão
A Teoria Cognitiva da Depressão de Beck, desenvolvida pelo psiquiatra Aaron T. Beck, é um importante modelo que buscar explicar como padrões de pensamento negativos e distorções cognitivas contribuem para o desenvolvimento e manutenção da depressão. Esse modelo pressupõe a Tríade Cognitiva Negativa, composta por uma visão negativa a respeito:
1) De si – Se percebe como inadequado, sem valor ou indignos de amor;
2) Do mundo – Percebe o mundo como apresentando desafios insuperáveis, cheios de adversidade e dificuldades;
3) Do futuro – Antecipa um futuro sombrio, com um sentimento de desesperança e falta de expectativas positivas.
Toda essa visada se sustenta a partir de enviesamentos que uma pessoa tem, ou seja, na depressão o indivíduo percebe e interpreta os eventos e vivências de forma tendenciosamente negativa, o que contribui para o desenvolvimento da Tríade. Considerando que os três elementos que formam a tríade interagem entre si, a pessoa que se enxerga como incapaz se sentirá vulnerável e sem saber o que fazer diante de um mundo que é percebido como hostil e desafiador, o que resultará em uma previsão negativa do que irá acontecer – futuro desastroso e inevitável. As consequências dessa visão distorcida é a paralisação do sujeito frente ao futuro catastrófico, em que ele acredita que não será capaz de encontrar saídas possíveis para o sofrimento e dor que o mundo tem a oferecer, reforçado toda sua visão catastrófica e pessimista de si, do mundo e do futuro.
Algumas das distorções cognitivas que contribuem para o quadro de pessimismo na depressão são:
- Pensamento de tudo-ou-nada: Ver situações em termos extremos, preto e branco. Palavras frequentes são: “sempre”, “todos”, “nunca”.
- Generalização: Tirar conclusões amplas (generalizar) a partir de eventos isolados; poucas evidências são suficientes para tirar conclusões sobre muitas pessoas ou acontecimentos.
- Catastrofização: Expectativa que apenas o pior possivel acontecerá, mesmo sendo extremamente improvável.
- Personalização: Assumir a responsabilidade (culpa) por eventos fora do seu controle.
- Minimização e maximização: Conquistas e aspectos positivos são minimizados e/ou considerados como sorte ou responsabilidade de outros, enquanto erros e falhas são tidos como grandiosos e de total responsabilidade da pessoa.
Grande parte desse pessimismo vem através de vivências da infância, de modo que a pessoa aprendeu a enxergar as coisas e a si mesma de determinada forma, muitas vezes inflexível, distorcida e pouco razoável. Seja por traumas, estilo de criação ou cultura, a pessoa passa a desenvolver e a reforçar crenças que irão influenciar suas atitudes, comportamentos e pensamentos ao longo da vida, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos e o agravamento de quadros sintomáticos.
Estresse
Durante o dia a dia, é comum nos depararmos com situações que exigem um maior empenho e comprometimento, provocando um aumento do foco, alerta e cognição. Esse aumento se dá em decorrência de eventos que são percebidos como estressantes.
O estresse é compreendido enquanto uma perturbação da homeostase (equilíbrio interno) de um organismo, induzindo respostas desse organismo a fim de reestabelecer seu equilíbrio. Em momentos de estresse, o corpo ativa o eixo “HPA” (Hipotálamo – Pituitária – Adrenal), resultando na liberação do famoso “hormônio do estresse”: cortisol. O cortisol é importante para nossa saúde e sobrevivência, já que ele é responsável por promover a adaptação corporal para que possamos lidar com contextos estressante, como uma situação de perigo, para então podermos voltar ao nosso estado habitual.
Contudo, os estudos apontam uma forte relação entre o estresse crônico (recorrente ativação do eixo HPA) e a depressão. Em muitos pacientes diagnosticados com depressão, uma região do cérebro chamada de hipocampo (responsável pela memória recente e a criação de novos neurônios, dentre outras funções) encontra-se atrofiada, e um dos responsáveis pelo atrofiamento desta região é a constante presença de cortisol no organismo. O estresse crônico é responsável por promover uma desregulação do eixo HPA, fazendo com que nosso cérebro tenha dificuldade em regular a liberação de cortisol, o que acaba provocando esse atrofiamento do hipocampo.
É bem verdade que não são todos dos casos de depressão que essa desregulação está presente, porém, ao menos 75% dos casos de depressão têm relação com algum evento estressante. Isso significa que mesmo que o estresse não provoque a desregulação do eixo HPA, a presença de eventos estressantes durante a vida está intimamente relacionada com a manifestação da depressão. A explicação disso está no modelo diátese-estresse, teoria que descreve como interação entre fatores ambientais (estresse), psicológicos (percepção e compreensão) e genéticos (predisposição) pode desencadear transtornos mentais. Um evento muito estressante (agudo) ou o estresse prolongado (crônico) pode acabar resultando em modificações no organismo do sujeito a ponto dele desenvolver um transtorno, como a depressão. Porém, diferentes níveis de estresse podem desencadear um transtorno dependendo da predisposição genética da pessoa, ou seja, uma pessoa com predisposição genética pode manifestar depressão com uma menor quantidade de estresse. Ainda, é importante enfatizar que uma mesma situação é percebida e compreendida de diferentes formas por diferentes indivíduos. Isso quer dizer que um mesmo evento não apenas provoca níveis de estresse diferente de acordo com cada indivíduo, como a predisposição em cada indivíduo também dita o quanto de estresse cada um consegue suportar sem risco de desenvolver um transtorno.
Transtornos enquanto um Sistema complexo
Uma modelo bastante interessante que tem ganhado muita atenção é a compreensão dos transtornos mentais enquanto sistemas complexos. Para começar, podemos utilizar o exemplo de uma bicicleta. Uma bicicleta tem alguns componentes, como rodas, pedais, corrente e coroa. Podemos desmontar, compreender e até consertar qualquer uma dessas partes em específico, porque, apesar de ser um sistema, não faz parte de um sistema complexo. Em outras palavras, os elementos não interagem entre si de forma multidirecional. Porém, ao contrário de uma bicicleta, a internet, a economia ou até mesmo lagos são sistemas complexos: há diversos elementos que interagem uns com os outros, fazendo com que a compreensão e previsão do resultado dessa interação seja extremamente complexa e dificil. Analisar todos os elementos isoladamente não garante a previsão do que acontecerá, pois todos os elementos passarão a interagir entre si, resultando em uma quantidade muito grande de interações e consequências.
Deste mesmo modo, transtornos mentais podem ser compreendidos como sistemas complexos: sintomas são resultados de diferentes causas (genética, ambiental, psicológica, biológica), sendo que cada um destes elementos interage entre si de maneira complexa e imprevisível. Em outras palavras, um sintoma surge como resultado de diversos fatores, e cada sintoma também interage com diferentes sintomas. Por exemplo: um trabalhador pode ter que entregar um relatório no dia seguinte. Enquanto ele está realizando sua tarefa, ele começa a sentir ansiedade. O nível de ansiedade irá variar com diversos fatores: como ele dormiu, se está com fome, sua personalidade, o que este relatório e o trabalho representam em sua vida, se ele brigou com alguém etc. Cada um destes fatores – que são muitos – variam constantemente, já que, por exemplo, uma briga de manhã com a esposa pode ser muito pior caso ele tenha dormido muito mal por conta da ansiedade, o que também tirará sua fome pela manhã e o deixará ainda mais estressado no período do almoço, enquanto termina seu relatório. Neste pequeno exemplo já se pode ter uma ideia da complexidade dos fatores de um só sintoma: sua ansiedade resulta em insônia; sua insônia o deixa irritado; sua irritação o faz ter menos paciência e brigar mais; a briga tira sua fome; e todos esses fatores o estressam ainda mais, fazendo com que ele se sinta ainda mais ansioso. Perceba, ainda, que cada fator pode interagir uns com os outros: a fome afeta sua ansiedade, sua emoção e sua insônia. A ansiedade afeta seu apetite, sua emoção e sua insônia. Sua insônia o deixa fadigado, afetando sua emoção, sua ansiedade e seu apetite.
Agora pense que isso acontece com diversos sintomas da depressão, por exemplo: insônia/hipersonia, fadiga, alteração do peso, retardo/agitação psicomotora, baixa concentração, culpa, humor deprimido, perda de prazer, ideação suicida. Cada sintoma é impactado por diversos contextos (psicológico, ambiental/social, biológico, genético), e cada sintoma também interage com os demais sintomas, provocando alterações nos quadros sintomáticos, aumentando sintomas ou até produzindo sintomas (insônia > fadiga > concentração).
E se a complexidade dos transtornos é tão alta, o que pode ser feito? A grande conclusão dessa dinâmica é olhar para os transtornos em sua complexidade, pois se atentar a um só elemento (sintoma) não será suficiente para o tratamento ou prevenção de transtornos como a depressão. Compreender e analisar mais afundo a relação entre as causas, vivências e as interrelações entre os sintomas ajudará a buscarmos o desenvolvimento de tratamentos farmacológicos e psicológicos mais eficientes – ao contrário do foco que se é dado hoje em dia para sintomas e causas isoladas.
Ainda, uma importante consideração é que sistemas complexos apresentam estados que podem sofrer variados níveis de alteração – assim como um lago limpo pode começar a ficar poluído ou uma pessoa começar a desenvolver depressão. A partir de um certo ponto o estado do sistema muda, e mesmo com a retirada dos fatores que provocam a alteração, o sistema não volta para o estado anterior (resiliência). Ou seja, assim como um lago muito poluído a retirada do fator poluente pode não ser suficiente para que o lago volte ao estado normal (ecossistema), a retirada de fatores que contribuíram para o desenvolvimento de um transtorno mental (depressão) pode não ser suficiente para que o individuo volte a ser como era, necessitando de outras intervenções – logo, prevenir é mais simples do que tratar. Deste modo, fatores protetivos e preventivos (como higiene do sono, lida com o estresse e apoio social) serviriam para interromper ou amenizar a interrelação sintomática e aumentar a resiliência do sistema.