Diagnosticar depressão, assim como outros transtornos, pode ser uma tarefa bem mais complicada do que muitos podem imaginar. Muitos podem pensar, equivocadamente, que seu psiquiatra é ruim porque ele(a) não consegue identificar direito qual é o transtorno em questão que tem causado tanto sofrimento – pode parecer ser simples identificar uma ansiedade ou depressão, não é mesmo? Porém, há alguns pontos importantes a serem considerados quando o assunto é diagnóstico de transtornos da mente. Abaixo, será brevemente abordado alguns pontos a respeito das dificuldades e desafios do diagnóstico de depressão – sendo válido também para outros transtornos.
- O que é depressão? – Por mais incrível que pareça, a resposta para essa pergunta ainda não pode ser determinada. Com a tecnologia que temos hoje, não há qualquer possibilidade de acesso ao mundo mental e seus transtornos – diferentemente da medicina tradicional que consegue diagnosticar doenças com exames laboratoriais. Por isso, a depressão passa a ser sinônimo de seus sintomas, enquanto outras doenças orgânicas têm delimitações próprias, com causas, conceituação e sintomas. A anemia é caracterizada pela carência de hemoglobina no sangue, causada pela falta de ferro (na anemia ferropriva, por exemplo) e tem sintomas que apontam para a doença (mas que não são a anemia em si), como palidez na pele e mucosas, cansaço generalizado, falta de apetite, sonolência etc. A anemia pode ser diagnosticada e mensurada através de exames objetivos que independem do sujeito, como o exame de sangue.
Já a depressão, não. A depressão é como se fosse uma febre: possui diversos sintomas possíveis, podendo ter múltiplas causas. Logo, tanto a depressão como a febre não podem ser tidas como algo em si, mas como um agrupamento de sintomas que informam que “algo não está bem”. Toda essa falta de acesso e mensuração faz com que a depressão (bem como os outros transtornos) não possam ser bem delimitados, sendo apenas possivel descrever sintomas que são descritos pelos pacientes.
- Parece depressão, mas não é – Muitas condições de saúde física e mental podem “imitar” uma depressão, como carência de vitaminas, questões hormonais ou até mesmo outras doenças e transtornos – sendo fundamental realizar um diagnóstico diferencial para identificar qual é a causa da manifestação dos sintomas que o paciente se queixa. Por exemplo: uma pessoa com ansiedade generalizada (TAG) pode apresentar 4 sintomas que fazem parte do critério diagnóstico da depressão. Considerando que é preciso 5 sintomas para o diagnóstico, essa pessoa já tem 80% dos sintomas (4 sintomas de 5) necessários para se enquadrar em um quadro de depressão clínica.
- Alguns sintomas, muitos transtornos – Os manuais oficiais utilizados para o diagnóstico de transtornos mentais (DSM e CID), contam com um alto número de transtornos que podem ser diagnosticados através da identificação de agrupamentos sintomáticos. Em outras palavras, o diagnóstico de um transtorno específico – como a depressão – é realizada quando o profissional identifica um certo número de sintomas que aparecem ao mesmo tempo. A grande problemática se dá quando diversos sintomas são frequentes em diversos transtornos (e também estão presentes como colaterais de diversos medicamentos). Perda de peso com diabetes não tratado; fadiga com o câncer; hipersonia no início da gravidez; insônia no fim da gravidez ou no pós-parto são exemplos de sintomas que são comuns em muitos outros transtornos e condições.
- Transtornos não são “puros” – Nos estudos científicos é extremamente comum que os pesquisadores selecionem pessoas que tem apenas depressão. Porém, normalmente não é isso que encontramos na clínica! O mais comum é, na verdade, pessoas que apresentam mais de um transtorno. Considerando os pontos anteriores, não é muito dificil concluir como isso pode ser problemático: uma pessoa pode ter um ou mais transtornos que, frequentemente, apresentam sintomas similares. O profissional se depara constantemente com dúvidas: o que é sintoma de um transtorno, e o que é do outro? Essa pessoa tem um transtorno e mais alguns sintomas daquele outro, ou tem ambos (já que muitos sintomas aparecem em ambos os transtornos)?
- “De poeta e louco, todo mundo tem um pouco” – Todas as pessoas apresentam traços de transtornos, pois alguns sintomas, isoladamente, fazem parte da vida cotidiana (agitação, fadiga, dificuldade de concentração, perda de prazer, excesso de pensamentos, ganho de peso etc.). É justamente por isso que é necessário que um profissional realize o diagnóstico, pois os sintomas devem apresentar características e critérios específicos para a sua identificação. Assim, é possivel que uma pessoa tenha traços de um transtorno e traços de outro. Contudo, levando em conta os apontamentos acima, essa somatória de traços (que não correspondem a um único transtorno específico) podem confundir ou dificultar o diagnóstico.
- Depressão não é tudo igual – Apesar de se tratar de um transtorno específico, depressão não é tudo igual. Primeiramente, a depressão conta com 9 sintomas – podendo chegar a muito mais, considerando que muitos sintomas são opostos (“insônia ou hipersonia”) e outros contam com mais de uma característica (“culpa excessiva ou desvalor”) –, possibilitando muitas combinações sintomáticas diferentes, com 227 perfis únicos de depressão considerando 9 sintomas, e 16400 se separarmos em subsintomas os que são opostos. Em termos técnicos, isso quer dizer que a depressão é heterogênea. Ainda, há de se considerar que o peso e a vivência dos sintomas não são iguais – isto é, uma pessoa que tem pensamentos suicidas não terá uma vivência de depressão igual a um sujeito que não tem, bem como duas pessoas com culpa excessiva não terão o mesmo conteúdo e intensidade de culpa!