Comorbidade é o nome dado quando duas ou mais patologias (doenças, condições) ocorrem ao mesmo tempo. Essa ocorrência frequentemente significa um tratamento mais complexo, não só porque há mais de uma patologia para ser tratada, mas também porque as diferentes patologias interagem e se potencializam – normalmente resultando na piora do quadro e maior risco de mortalidade.
No caso da depressão, comorbidades frequentemente representam maior severidade do quadro depressivo, fazendo com que o tratamento seja menos responsivo e aumentando a probabilidade de novos episódios depressivos (recorrência).
Em geral, a relação entre outras condições e a depressão é que: 1) elas podem ser fatores de estresse, contribuindo para a causa/permanência da depressão; 2) elas levam a estagnação em relação a vida (impossibilidade de sonhos e objetivos).
Por volta de 66% dos pacientes depressivos apresentam algum outro transtorno (ansiedade generalizada, TDAH etc.), e também contam com 20-60% mais chances de desenvolver outras patologias (câncer, diabetes, doenças cardiovasculares etc.).
Dor
A relação depressão e dor é bastante conhecida e estudada, sendo compreendida como a síndrome depressão-dor, por ser comum a presença de sintomas físicos de dor (muitas vezes sem causa aparente) na depressão.
Estudos apontam que quanto mais aspectos de dor um indivíduo com depressão apresenta (intensidade, duração, frequência, número de sintomas etc.), pior é o quadro de depressão. Pacientes com múltiplos sintomas de dor (dor de cabeça, no peito, nas costas etc.) tem de 3 a 5 vezes mais chance de desenvolver depressão. Ainda, indivíduos com dor crônica (dor quase todos os dias por mais de 3 meses) tem 3 vezes mais chance de ter depressão, e caso a dor dure 6 meses, a chance é mais de 4 vezes maior. Um aspecto importante é que dor e depressão se potencializam – quanto mais dor, maior é a chance de depressão; quanto mais depressão, mais dor a pessoa sente.
Uma outra observação interessante é que o cérebro registra o sentimento de rejeição social de maneira praticamente idêntica a dor física, o que ajuda a explicar a importância das relações sociais na depressão:
- Rejeição é dor, e dor prolongada tem altas chances de levar a depressão.
- Na depressão, é muito comum o isolamento social e o pessimismo.
- O sujeito deprimido sente mais dor, aumentando tanto a dor física quanto a dor emocional (rejeição) e, assim, levando a ainda mais isolamento – concretizando um ciclo entre os pontos 1, 2 e 3.
- Assim, para prevenir e ajudar no tratamento da depressão, o convívio com pessoas que dão suporte emocional e o tratamento de dores crônicas são indispensáveis.
Outros dois fatores importantes nesse ciclo são: a ansiedade e a insônia.
A ansiedade, que é muito frequente na depressão, não só aumenta a intensidade da dor que uma pessoa sente, como também provoca rigidez muscular – podendo causar ainda mais dor, dependendo da lesão do indivíduo. Ainda, essa associação entre dor e rigidez muscular faz com que a pessoa pare/evite realizar alguns movimentos e, por isso, acaba provocando o enfraquecimento muscular dessa região dolorida. Agora que a pessoa está com enfraquecimento muscular, ela passa a exigir muito de outros músculos para tentar realizar alguns movimentos – ela força mais uns músculos para poupar outros, trazendo grandes prejuízos (e mais dor) a várias regiões do corpo.
Já a insônia – que pode ser consequência tanto da dor crônica quanto da ansiedade ou depressão – prejudica o sono e afeta as áreas do cérebro responsáveis pela regulação do comportamento e emoções, provocando o aumento de pensamentos negativos (pessimismo) e maior estresse no dia a dia.
Apesar da forte correlação entre dor e depressão, muitos estudos reportaram ser muito comum o subdiagnóstico, pois frequentemente (50%) os pacientes que apresentam essa comorbidade relatam apenas os sintomas físicos (fadiga, insônia, perda de peso, agitação, dores, etc.) e, desses relatos, 65% são referentes a algum tipo de dor – levando ao tratamento de sintomas físicos, apenas.
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Transtorno de ansiedade
Aproximadamente 60% dos pacientes com depressão moderada ou severa também apresentam algum transtorno de ansiedade, como ansiedade social (20-70%), transtorno do pânico (50%), Transtorno de Estresse Pós-Traumático (48%), e Transtorno de Ansiedade Generalizada (43%).
Essa forte correlação se dá pela sobreposição sintomática (sintomas similares entre depressão e ansiedade), genética (predisposição) e fatores de risco como eventos negativos e estressantes na infância e na vida adulta – o que também explica a presença de alterações no sono em ambos os transtornos.
Assim, a presença da comorbidade de ansiedade na depressão representa maior severidade do caso e menor resposta ao tratamento. Um aspecto relevante levantado em estudos é que a ansiedade normalmente vem antes do episódio depressivo. Logo, considerando que eventos extremos na infância aumentam a probabilidade do desenvolvimento de transtornos ansiosos na vida adulta, a chance dessa criança desenvolver depressão posteriormente passa a ser ainda maior.
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HIV
Cerca de 40% das pessoas que vivem com o HIV apresentam o diagnóstico de depressão. A presença da depressão tem um impacto negativo no autocuidado dessa população, podendo levar ao ciclo: ter o vírus leva à depressão, e a depressão leva ao desapego com os autocuidados; a falta de cuidado causa mais prejuízos à saúde, agravando a depressão.
O prejuízo no sistema imunológico causado pelo vírus facilita a manifestação de diversas outras condições, aumentando as chances do desenvolvimento de quadros depressivos. Ainda, essa baixa imunológica pode ter relação com a relação causal entre sistema imunológico, inflamação crônica e depressão.
É importante ressaltar que fatores externos (socioeconômicos, preconceito, desinformação) podem ser grandes contribuidores para o desenvolvimento da depressão nessa população.
Diabetes
prevalência de depressão em pacientes diabéticos é de 10-15%, sendo que a presença dessa comorbidade piora o prognóstico e o risco de mortalidade em ambas as patologias. Ainda, 25% dos diabéticos apresentam depressão menor (subclínica), tendo sintomas depressivos sem satisfazer o critério para o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior.
Doenças cardiovasculares
De maneira geral, 10-40% dos pacientes que apresentam Doenças Cardiovasculares manifestam depressão. Os números variam de acordo com a especificidade e gravidade de cada situação. Em pacientes com infarto do miocárdio, 19-66% apresentam algum transtorno mental, principalmente depressão e ansiedade. Em diversos estudos, 17-44% dos pacientes com Doença Arterial Coronariana apresentaram depressão. Em pacientes que receberam um cardioversor desfibrilador implantável, mais de 25% dos pacientes estavam deprimidos. Entre os pacientes com doença cardiovascular tratados com cirurgia de bypass da artéria coronária, de 15% a 25% dos pacientes manifestaram depressão maior, e outros 15% desenvolveram estados de humor significativamente deprimidos (Depressão Menor) após a cirurgia.
Câncer
Há uma notável relação entre pacientes oncológicos e depressão, pois a taxa de mortalidade nos pacientes que apresentam essa comorbidade é 39% maior. Ainda, indivíduos que exibem apenas alguns sintomas depressivos (Depressão Menor) têm um risco 25% maior de mortalidade.
A prevalência do Transtorno Depressivo Maior em pacientes com câncer varia entre 7% e 24%, dependendo dos métodos de avaliação utilizados. Estudos mostram que a depressão é mais comum durante o tratamento ativo, com taxas de até 27% em alguns casos. A prevalência é particularmente alta em pacientes com tumores no cérebro, ovário e mama. Além disso, a depressão é mais frequente em mulheres, pacientes com menos de 60 anos e aqueles em pior situação socioeconômica.
Transtorno de personalidade Borderline
A probabilidade de depressão em algum momento da vida em quem tem Borderline é de 85%. A intensidade de algumas características depressivas nesse grupo tende a ser maior, como o sentimento de raiva, vergonha profunda (sentir-se emocionalmente como uma pessoa má ou inadequada), solidão, abandono e vazio.
Considerando o grau de importância e dependência em relação ao outro em indivíduos Borderline, sentimentos e vivências extremas de afeto e raiva levam à constante sensação de perda de sentido de vida, já que a perda do outro é, também, a perda da si e dos seus sonhos – o que explica a forte relação com a estagnação e desesperança na depressão nessa população.
Doenças Neurológicas
Por volta de 40-50% dos pacientes com Parkinson relatam alguma perturbação no humor. Do total desses pacientes, 22.5% correspondem a depressão persistente, 36.6% a Depressão Menor (não satisfaz todos so critérios para o diagnóstico de depressão), e 24.8% ao Transtorno Depressivo Maior.
Em indivíduos com AVC, cerca de 33-44% apresentam depressão. Ainda, a comorbidade com depressão aumenta o risco de mortalidade em 52% nesses pacientes, quando comparado com pessoas com AVC sem depressão.
Em pacientes com esclerose múltipla, a prevalência é de 21%, e em pacientes com epilepsia, é de 21.9%. Já pacientes com doença de Alzheimer têm uma prevalência de Transtorno Depressivo Maior de 12.7%.
Abuso de substâncias
Pessoas com depressão têm aproximadamente duas vezes mais chance de desenvolver Transtornos por Uso de Substâncias. Ainda, cerca de 33% dos pacientes com Transtorno Depressivo Maior também apresentam Transtorno por Uso de Substância, e entre 27% a 40% das pessoas que têm ou tiveram transtorno depressivo maior também terão sido diagnosticadas com um Transtorno por Uso de Substância em algum momento de suas vidas.
O diagnóstico representa um grande desafio, já que os sintomas de intoxicação e abstinência de substâncias podem imitar transtornos de humor.
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